você viu a propaganda de comemoração dos 70 anos da Volkswagen? eu vi e sou do time que não gostou. os vários motivos se juntam numa coisa que tem me incomodado muito: a nossa incapacidade de imaginar coisas realmente novas. eu explico (e talvez eu demore um pouco nisso, desculpa): meu pai trabalhou na VW durante muitos anos. eu sei mais do que eu gostaria sobre carros, porque eu ouvi muitas histórias sobre a montadora durante muitos anos. por mais que eu me orgulhe da carreira que ele construiu, é papel dos filhos ir além do que a geração dos pais foi capaz. por isso, eu achei terrivelmente reveladora a escolha da música “Como nossos pais” pra celebrar o aniversário de uma montadora que, assim como a indústria da qual ela faz parte, tem tido dificuldade de imaginar outros futuros possíveis.
“Minha dor é perceber que, apesar de termos feito tudo, tudo, tudo o que fizemos… ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.”
eu digo “terrivelmente” porque a questão mais urgente enfrentada pela minha geração – as mudanças climáticas – é uma consequência direta da promessa de sucesso individualista materializada por… carros. sim, eles são uma tragédia pro meio ambiente por causa da emissão de CO2, mas também refletem uma forma de se relacionar com o mundo que precisa mudar agora se a gente não quiser botar fim em tudo. foi pensando só no nosso próprio umbigo, como indivíduos e como espécie, que a gente se enfiou nesse buraco cada vez mais poluído e quente. não é possível que a coisa mais nova que a gente consiga imaginar seja um carro… elétrico. uma Kombi… só que elétrica.
a publicidade me deixou desconcertada porque, ao contrário da maioria das propagandas, ela capturou bem a realidade. só que eu não gostei do que vi. quando a Kombi corujinha (meu sonho de consumo adolescente) apareceu com a Elis Regina dentro, eu senti um arrepio na espinha. será mesmo que esse é o limite da imaginação de uma geração capaz de usar tecnologias dignas de ficção científica pra ressucitar uma cantora morta há mais de 40 anos?
será que os nossos sonhos vão ser tão parecidos com o dos nossos pais, mesmo depois de a materialização deles ter se mostrado tão desastrosa?
“você pode até dizer que eu tô por fora” – ou doida – mas eu acho urgente que a gente se esforce pra imaginar coisas realmente novas. eu só me alonguei aqui porque pra mim isso muito sério. a falta de criatividade faz com que a gente insista em rotas viciadas não porque elas nos parecem as melhores, mas porque nós nos acostumamos com elas – e com os problemas que elas nos causam. isso vale pro jeito como a gente se locomove, mas também pra como a gente escolhe viver a nossa vida.
quando meu pai saiu da montadora, eu lembro que eu perguntei pra ele se ele estava incomodado de dirigir um carro que não era da VW. ele me disse uma coisa que eu nunca esqueci: “não. isso aqui é um carro. e carro é uma coisa feita pra me levar de um ponto A até um ponto B”. eu espero muito que a gente consiga encontrar caminhos novos pra nós mesmos e, quem sabe, pros nossos pais.
ufa. hablei. na radinho de hoje, podcasts que me ajudaram a abrir outros caminhos dentro da minha própria cabeça.
🧽🧽🧽 Um acidente de memória • 37 Graus | esta semana, chegou ao fim um dos meus podcasts preferidos da vida. em 2018, quando o mundo de podcasts narrativos brasileiros era mato, nasceu o 37 Graus. eu lembro onde eu tava quando ouvi o primeiro episódio. desde então, 7 temporadas foram ao ar. todas elas, cada uma a sua maneira, me mostraram como a critividade é fundamental pra produção de conhecimento científico. a Bia e a Sarah, que hoje eu posso chamar de amigas, alargaram as fronteiras das narrativas em áudio e da divulgação científica brasileira. geniais como sempre, elas souberam também a hora certa de dizer tchau. pra homenagear essa história tão bonita, recomendo aqui meu episódio preferido (que, na verdade, são dois), em que a Bia parte de história esquisita de um acidente que ela sofreu pra questionar a solidez da memória. mudou minha vida.
🎧 parte 1 (43min) + parte 2 (36min)
🧽🧽 The Frankfurt Kitchen • 99% Invisible | eu sou obcecada por cozinhas, mas eu não fazia a menor ideia que a arquitetura da cozinha como a gente conhece hoje nasceu em Frankfurt, depois da Primeira Guerra Mundial, pelas mãos de uma mulher chamada Margarete Schütte-Lihotzky. observando com atenção os movimentos feitos dentro da cozinha, ela imaginou uma arquitetura mais eficiente, que permitisse maior fluidez e tornasse as tarefas – feitas quase sempre por mulheres – mais simples. ou seja, é uma cozinha feminista. e provavelmente muito parecida com a que você tem na sua casa. eu achei refrescante lembrar que coisas que parecem dadas hoje precisaram, um dia, ser imaginadas por alguém. aqui tem um vídeo mostrando a cozinha, pra quem quiser ver, além de ouvir.
ouça aqui 🎧 (35min)
alguma outra coisa?
obrigada por ler (o textão)! 💌
Natália Silva | jornalista e produtora da Rádio Novelo
Oi, Natália!
Muito bom o episódio do 37 graus! Obrigado!
Lembrei de um episódio do Heavyweight, sobre memórias falsas: https://open.spotify.com/episode/3ujjIbe8EuyUHENrHjdgRj?si=62205a2be86544d7.
Aliás, tem algum podcast brasileiro parecido com Heavyweight (um Que história é essa Porchat, mas com apuração jornalística)?