há uma semana, mais ou menos, minha principal preocupação antes de dormir e ao acordar é saber onde estão as aranhas – com quem eu tenho relutantemente dividido o banheiro da casa.
quando eu fui apresentada ao pequeno e simpático cômodo por trás de uma porta laranja escuro, elas já estavam lá. e eram quatro. duas maiores, no canto esquerdo, logo acima do vaso. e duas menores, equilibradas numa quina pairando sobre o box.
a casa, claro, não é minha. se fosse, elas teriam morrido sob um jato de inseticida imediatamente. mas a verdade é que elas chegaram aqui antes de mim. e têm um aliado.
horas depois de vê-las pela primeira vez, eu fui tomar um banho. abri a porta e chequei se continuavam todas nos mesmos lugares. só então tirei meu óculos e entrei no chuveiro no meu estado mais vulnerável: nua e de olhos fechados. ver as coisas embaçadas pelos meus quatro graus de miopia é incômodo, então eu evito - piscando longamente sempre que estou sem óculos. e mesmo que eu, nesse caso, decidisse manter os olhos abertos, adiantaria pouco. eu confundiria um emaranhado de fios de cabelo com uma tarântula e daria um xilique à toa. já aconteceu.
então, por isso, minha grande preocupação antes dos banhos noturnos é saber exatamente onde as aranhas estão. e, de manhã, mais uma vez – pra garantir que não haverá nenhuma surpresa quando abrir o vaso.
a convivência ia muito bem. principalmente considerando que eu tenho verdadeiro pavor de aranha. mas eu disfarcei, pra impressionar o meu namorado – o aliado delas, que não mata nenhum inseto, mas gentilmente os coloca pra fora.
um dia, antes de dormir, eu contei orgulhosa pra ele que vi a aranha grande, a maior delas, capturar uma mosca – um inseto que eu acho bobo e irritante. e que a mosca estava lá no banheiro, arranhada dentro de um pequeno casulo, zunindo e tentando escapar. contei assim pra impressioná-lo, claro. fingindo naturalidade. embora, no fundo, eu estivesse preocupada que isso fosse estragar o meu plano.
de pedir pra que ele, gentilmente, botasse essa e todas as aranhas pra fora.
digerida a refeição, quando já não havia mais sinal da mosca, eu pedi. e ele o fez. e pela primeira vez em uma semana, tomei banho sozinha.
na manhã seguinte, por força do hábito, olhei pro canto. e lá tava ela, a a aranha grande, a maior delas, logo ao lado do vaso. não fiz xixi, com medo de ela pular na minha mão assim que eu fosse dar descarga. desconfio que as aranhas sejam vingativas.
mais tarde, meu namorado a pegou num copo e andou um pouco mais antes de deixá-la sair, já na rua e não no quintal. “imagina se eu demorasse 10 minutos pra voltar", ele bricou. bem que eu gostaria.
foi dela que eu lembrei lendo um trecho do livro “A Louca da Casa", da espanhola Rosa Monteiro, sobre como classificar obras literárias. ela cita o autor também espanhol Juan José Millás, que divide as obras entre mamíferos e insetos.
“São mamíferos aqueles romances enormes, pesados, potentes, com erros evolutivos que não servem para nada (rabos atrofiados, sisos absurdos e coisas assim), mas, no conjunto, grandiosos e magníficos; enquanto os insetos são aquelas criações exatas, perfeitas, pequenas, engenhosamente simples, essenciais, nas quais nunca falta nem sobra nada.”
e essas duas categorias eu adicionaria a dos livros aracnídeos: cheio de pernas, capazes de ir em qualquer direção sem grandes cerimônias. e de capturar insetos e amedrontar mamíferos feito eu. o livro da Rosa Monteiro vai ser o primeiro a entrar nessa sessão. é uma aranha, sem dúvida. e, por isso, vou passar um bom tempo pensando nele.
eu ouvi
quando eu comecei a ouvir a entrevista do Miguel Lago no Fio da Meada, eu achei que na próxima hora minhas ideias iam ficar girando em torno do estado (lastimável) da política nacional. sim, aconteceu, afinal de contas era um papo sobre como o voto, o símbolo máximo da democracia, perdeu importância – uma tese que o Miguel já tinha desenvolvido num texto na revista piauí. mas o que ficou comigo mesmo foi uma coisa que o Miguel disse sobre a importância da participação política local. eu tenho pensado muito no impacto das pequenas coisas e ele disse isso aqui: “Eu acho que o que é interessante da participação [na política local] é que a gente pode tomar decisões sobre as coisas mais… que parecem mais micro, mas que são as coisas mais importantes nas vidas das pessoas. Porque, no final das contas, a política sempre acaba sendo local. A nível local, daria para a gente realmente fazer uma revolução democrática.”
o álbum Bryter Layter, de um inglês chamado Nick Drake. a primeira vez que eu ouvi falar dele foi quando, conversando com a Paola Carosella, eu comentei que visitaria a cidade na qual eu estou agora – Sonoma, na Califórnia. ela passou aqui uma vez numa viagem de carro que fez sozinha ao som desse álbum. lendo sobre ele depois, descobri que o Nick Drake não foi um grande sucesso nem de público nem de crítica. ele só tornou mais conhecido na virada pros anos 2000, depois da música que deu o título ao último álbum dele (Pink Moon, de 1972) ser trilha de um comercial da Volkswagen – que, curiosamente, foi gravado numa estrada a uma hora daqui. mas Nick não viu nada disso: decidiu morrer aos 26 anos, em 1974. minha preferida do álbum é essa aqui:
esse episódio do The Interview, do NYT, com o autor holandês Rutger Bregman. eu li o primeiro best-seller dele há alguns anos (Utopia para realistas) e fiquei curiosa quando vi o nome dele no podcast. eu lembrei que, na época, o livro teve algum impacto sobre mim. o Bregman acabou de lançar um novo livro que segue nessa mesma linha de tentar empurrar as pessoas em uma direção melhor. o título em inglês é “Moral Ambition: Stop Wasting Your Talent and Start Making a Difference”. ele fundou uma escola pra tentar ganhar os corações e mentes de gente talentosa antes que essas pessoas achem um emprego bem remunerado, mas que não tem nenhum impacto positivo pra além do material/individual.
eu li
os obituários do Papa Francisco e do Pepe Mujica, ambos publicados pela Folha. ótimos textos pra quem, assim como eu, gosta de ler esses balanços da vida – e da morte – alheia.
o livro da Rosa Monteiro que eu comentei ali na abertura. é sobre escrita, mas também sobre loucura e paixão. muito difícil de explicar, então vou dizer apenas que é muito bom e que você deveria ler se gosta de livros com uma estrutura surpreendente. os próximos da lista são: Conforte-me com as maçãs, da Ruth Reich; O Amigo, da Sigrid Nunes; e A Place of My Own, do Michael Pollan.
eu vi
a retrospectiva de uma artista chama Ruth Asawa no MoMa de São Francisco. eu não sabia quem ela era, confesso, assim como não sabia que, durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos tinham mandado prender japoneses e descendentes que viviam no país depois do ataque em Pearl Harbor. a Ruth Asawa foi uma dessas pessoas e foi lá, na prisão, que começou a jornada artística dela – como ela conta nesse vídeo. ela é conhecida principalmente pelas esculturas em fios de metal (como essas que aparecem penduradas nessa foto, tirada na sala da casa dela), mas também era uma fã de plantas e jardinagem. tanto que a última frase da exposição é essa aqui: “You can't force a plant to bloom. It has a cycle. You have to tend it and care for it and wait for the bloom to happen. If you don't take care of it, it dies. The more experiences you have like this, the more you begin to understand your own cycle.”
esse vídeo em que as antenas da Carol Pires e da Marina Dias captam exatamente o mal-estar que eu senti ao abrir o Instagram e ver homenagens ao Mujica alternadas por posts sobre o depoimento da influenciadora Virgínia na CPI das bets. “dois mundos que não poderiam ser mais diferentes", como bem disse a Carol. enquanto o Mujica se foi como um exemplo de alguém que não se dobrou à lógica do capitalismo, a Virgínia – que eu confesso que também não conhecia, mas que gostaria de ter continuado não conhecendo – podia ser o holótipo dessa espécie de gente que enriquece sem produzir nada, monetizando tudo. a própria vida, a vida dos filhos e até o desprezo que eu (e talvez você) sinto por ela.
obrigada por ler! 💌
Natália Silva | jornalista e editora executiva da Rádio Novelo
Foi meu marido que me apresentou Nick Drake, com essa mesma canção ♡ Vira e mexe ela toca aqui em casa! E depois conta o que achou de Conforte-me com maçãs (eu sou bem fã da trilogia toda)