meu filme preferido durante a adolescência era Na Natureza Selvagem, que conta a história de um rapaz – o Chistopher McCandless – que tem uma família muito desajustada e decide largar tudo pra trás pra viver num ônibus abandonado numa floresta do Alasca.
um dos livros que ele carrega na viagem é Walden, do Henry David Thoreau, outro americano que também deixou tudo pra trás. em 1845, ele se mudou pras margens do Lago Walden, construiu uma cabana e ficou lá por dois anos lendo, plantando e tentando entender uma civilização que já atropelava o ritmo natural das coisas. o livro é um manifesto contra a industrialização leviana, que não pensa nas consequências antes de acelerar rumo ao “progresso”.
eu voltei a pensar nos dois agora por causa da tradicional escolha da palavra do ano do Dicionário Oxford. “Brain rot” – a eleita de 2024 – apareceu pela primeira vez em Walden, publicado em 1854.
While England endeavours to cure the potato rot, will not any endeavour to cure the brain-rot – which prevails so much more widely and fatally?
eu traduziria o termo como “miolo mole” – que, de acordo com os especialistas de Oxford, conseguiu capturar o incômodo com o impacto que o consumo excessivo de conteúdo, principalmente nas redes sociais, tem tido no nosso precioso cérebro.
é um incômodo que muda de forma, mas que nos persegue pelo menos desde o século XIX. a sensação de que o mundo que nós estamos construindo não vai bem.
meu pai esses dias me disse que talvez estejamos chegando no momento de querer “desinventar” coisas. ao invés de responder tecnologia com mais tecnologia – como eu, que baixei um aplicativo pra limitar o meu uso de outros aplicativos –, seria bom se a gente pudesse dar um passo atrás e se livrar no pecado original. impossível, eu sei. mas não é uma má ideia. nem uma ideia nova.
o ímpeto de querer fugir é natural. a questão é: como?
o historiador David Ward disse que o Thoreau permaneceu em contato com a sociedade nos anos vivendo em Walden, seja recebendo visitas ou lendo livros. “O que ele estava tentando fazer era reformar [a sociedade], não fugir dela.” pra imaginar algo novo, ele precisava tomar uma distância – ainda que temporária.
talvez o antídoto pro nosso mal-estar com as redes sociais possa vir da mesma fonte do diagnóstico. e não, eu não vou usar o Thoreau pra te aconselhar a fugir pro meio do mato.
em Walden, o capítulo sobre a solidão é seguido por um sobre as muitas visitas que o Thoreau recebeu na cabana. ele conta ter recepcionado mais de 20 pessoas ao mesmo tempo na casa apertada com só 3 cadeiras. ele confessa não ser um ermitão por natureza, mas sim alguém que poderia se tornar o “mais convicto frequentador de bares” em outras circunstâncias.
sobre a solidão, ele diz o seguinte:
“O convívio social, geralmente, é banal demais. (…) Sem dúvida, uma menor frequência bastaria para todas as comunicações importantes e sinceras.”
eu, feito o Thoreau, não sou uma ermitã por natureza. eu não escolhi ser jornalista pra me isolar do mundo ou das pessoas, mas eu concordo com ele que as comunicações importantes e sinceras não precisam de uma frequência tão alucinante quanto a imposta pelas redes sociais.
coisas enxarcadas apodrecem mesmo. nosso cérebro anda mergulhado numa quantidade tão grande de “conteúdo” – seja lá o que isso significa – que a sensação é que estamos apodrecendo por dentro. não é que não haja nada de útil nas redes sociais. há. mas talvez seja preciso tornar a comunicação menos frequente pra que ela seja menos banal.
esses são meus votos de ano novo.
obrigada por ler essa newsletter. significa muito pra mim.
até 2025!
eu ouvi
um episódio do On the Media falando sobre a distância entre as colunas de opinião de grandes jornais e a reação nas redes sociais ao assassinato do CEO da UnitedHealthcare, uma das maiores empresa de seguro saúde dos EUA.
a nova temporada do Serial sobre a única baleia que você talvez conheça pelo nome: o “Free Willy”. quem narra é o Daniel Alárcon, da Radio Ambulante.
segundo o meu Wrapped do Spotify, as minhas 5 músicas mais ouvidas de 2024 são todas do álbum Hit Me Hard And Soft, da Billie Eilish. só CHIHIRO eu escutei 47 vezes. sim, eu tô melhor, obrigada por perguntar, mas sigo ouvindo o disco porque é muito bom. e eu adorei o Tiny Desk que saiu há pouco tempo.
eu li
antes de mais nada: essa receita de bolo da Lena Mattar que eu quero preparar pro Natal. se você ainda não assina a newsletter dela, o faça.
nas minhas férias (sim, eu tirei alguns dias de férias!), eu escolhi carregar comigo o livro Ioga, do Emmanuel Carrère. eu nunca tinha lido nada dele antes e estou achando muito bom. é um livro que deveria ter sido sobre um retiro de meditação, não fosse a vida – sempre cheia de imprevistos. eu comecei a meditar recentemente e gostei do jeito como ele descreve essa prática não como uma coisa mística, mas sim como um exercício de persistência. é um livro bom pras férias: os capítulos são curtos. dá pra intercalar a leitura com caminhadas, conversas ou goles numa taça de vinho.
esse ano só comprei livros de presente de Natal. quando eles chegaram na minha casa, fui abrindo um por um pra ler as primeiras frases – adoro fazer isso – e me vi engolida por um deles: Melhor não contar, da Tatiana Salem Levy. escolhi o livro pra uma amiga e tenho muita certeza que acertei. queria dar um pra cada uma das minhas amigas, na verdade. li em dois dias em todo momento que podia – no café da manhã, de pé preparando o almoço, deitada na cama – e, felizmente, não vou ter que roubar o presente pra mim.
esse texto do NYT sobre o sobrenome que eu divido com tantos brasileiros: Silva. uma pequena anetoda: quando eu comecei a assinar textos como jornalista, decidi que usaria só “Silva” – assim, sozinho – como meu sobrenome. um motivo tá bem descrito nesse texto do NYT: é só bater o olho no meu nome pra saber que eu sou brasileira. e eu gosto muito disso. o outro é que eu não queria ser encontrada com tanta facilidade. quando essa decisão se deu eu trabalhava na Abraji e cansei de ver jornalistas sendo atacados. hoje, se você procurar “Natália Silva” no Google, vai dar de cara com uma lutadora de MMA. eu me sinto duplamente protegida.
a editoria Textos Jornalísticos Assustadores acaba de ter uma adição de peso: um diário do golpe que poderia muito ter sido escrito pelo Breno Pires na revista piauí. e se você não entendeu por que diabos o Bolsonaro ainda não tá preso, vê esse vídeo aqui da Carol Pires e da Marina Dias.
essa coluna sobre o fim das redes sociais do Sérgio Spagnuolo, criador do Núcleo Jornalismo – veículo brasileiro, independente, que cobre a internet como ninguém.
eu vi
assisti Severance de novo, pra me preparar pra nova temporada – que estreia em 17 de janeiro. é a melhor série que eu já vi. espero que não estraguem.
Love is Blind Argentina e a pergunta que não quer calar: por que as pessoas continuam usando lantejoula?
obrigada por ler! 💌
Natália Silva | jornalista e editora executiva da Rádio Novelo
rs. cheguei aqui fugida de lá... dos conteúdos e de tudo que você citou aqui, em 30 min de substack (sou completamente nova aqui) já li pelo menos 3 textos nessa toada. E que bom tanta gente repensando. Adorei tua escrita, pega num pontinho bem bom da questão.
Feliz Natal, ótimo ano pra você!
Obrigada pela menção e parabéns pela ótima edição :)
Adorei a tradução dos miolos moles!