eu me ocupo muito com estruturas narrativas. passo muito mais tempo do que eu gostaria de admitir calculando como erguer uma história de modo que o ouvinte possa entrar pela porta certa e não ser forçado a subir uma escada bamba até a janela do segundo andar.
e eu tenho pensando bastante sobre como contar a história de um assédio sexual. cheguei a conclusão de que devemos sempre começar pelo final – é lá que está o que o que deve tingir todo o resto.
todos os fatos listados daí em diante devem ser olhados a partir dessa perspectiva: houve um assédio. é fazendo o contrário e optando pela ordem cronológica que caímos numa armadilha – a de iluminar o assediador com uma luz que ele mesmo apagou.
pensei sobre isso lendo as defesas fervorosas que se espalharam por comentários na redes sociais do agora ex-ministro dos direitos humanos. muitos diziam que ele é um homem íntegro. academicamente brilhante. um ótimo amigo.
seguindo a lógica, é difícil encaixar o assédio no final de uma fila de bons atributos. agora, inverta. e veja como alguns dos adjetivos elogiosos murcham. outros podem até ganhar um sentido malévolo.
se você é vítima de assédio sexual e precisa de ajuda, consulte o site do Me Too Brasil. lembre-se: a culpa não é sua. e você não está sozinha/sozinho.
eu vi
a comédia romântica Plus One, na HBO Max. durante uma pandemia de casamentos, dois amigos solteiros – um rapaz e uma mulher – decidem se acompanhar nos eventos pra ficar menos insuportável. é um bom filme pra um sábado à noite, o espacinho no calendário onde – por algum mistério – é um pouco mais fácil acreditar no amor.
o roda vida com o Pablo Marçal. recomendo que evitem esse método de tortura.
eu li
há uns anos, eu li um livro chamado “Resista não faça nada: A Batalha pela Economia da Atenção", da americana Jenny Odell. eu baixei no livro no começo de uma das minhas férias pandêmicas. talvez já na metade do primeiro capítulo até eu tenha decidido deletar todos os aplicativos de rede social do meu celular e passar um tempo offline. lembro que me ajudou muito a descansar. vez ou outra, eu volto pra esse livro – e pro incômodo que eu tenho com a forma que meu tempo é gasto. foi relendo trechos que eu decidi, mais uma vez, me afastar das redes sociais e tentar retomar o controle da minha atenção.
P.S. 1: pra quem não quiser ler o livro, recomendo esse podcast com participação da autora.
P.S.2: a capa do livro em português é... muito feia. a da versão em inglês reflete mais o conteúdo.
que timing, heim? a entrevista de segunda desta semana na Folha de S.Paulo foi com o pedófilo e cinesta Woody Allen. comentando aqui (sem o link) só pra vocês pensarem duas vezes antes de dizer que pessoas denunciadas por assédio sexual são “canceladas” ou “caem no ostracismo".
eu ouvi
o podcast Catch and Kill (em inglês), fruto do trabalho de reportagem que o jornalista americano Ronan Farrow fez para escrever o livro Operação Abafa: predadores sexuais e a indústria do silêncio (Todavia, 2020). nos 5 minutos que abrem o primeiro episódio dá pra entender o quão longe homens como Harvey Weinstein estavam (e estão) dispostos a ir pra acobertar os próprios crimes.
o Ronan Farrow, aliás, é filho do Woody Allen. quando a editora que publicou Catch and Kill nos Estados Unidos decidiu publicar também uma autobiografia do Allen, ele se posicionou contra e disse aos editores “imagine se fosse a sua irmã” (se referindo a Dylan Farrow, que relata ter sido abusada por Allen aos 7 anos). dias depois, eles desistiram de publicar o livro… só pra ele ser abraçado por outra editora que, curiosamente, não se chama ostracismo.
obrigada por ler! 💌
Natália Silva | jornalista e editora executiva da Rádio Novelo