uns anos atrás, uma amiga minha que cobre meio ambiente há um tempão disse que tava com uma ideia de podcast. na época, nós trabalhávamos na Folha. ela contou que tinha lido um livro muito bom sobre extinção em massa (rs sim… baixo astral) – A Sexta Extinção, em que a Elizabeth Kolbert viaja o mundo atrás de espécies cuja batata existencial está assando por causa da crise climática e que queria fazer algo parecido.
meses depois, a ideia virou o Habitat – uma série de sete episódios em que eu e Jéssica Maes (que ainda trabalha na Folha, na linha de frente da cobertura de meio ambiente) viajamos pelo Brasil contando a história de espécies brasileiras que tão correndo o risco de sumir.
eu sabia da crise climática antes desse projeto? sim, claro. eu nunca esqueço de um filme (sei lá qual era o nome) que eu vi na escola quando era criança em que os humanos carecas (por que? também não sei) andavam por um planeta desértico atrás de água. me deu uma sede danada. eu fiquei perturbada por dias.
mas o que o Habitat despertou não foi pânico ou desespero ou, pior, cinismo, mas sim amor.
a gente segurou na mão uma salamandra do tamanho de um dedinho que quase ninguém no mundo viu e que provavelmente não vai resistir à destruição da Amazônia. mergulhamos de noite e vimos o que parecia um desfile de carnaval aquático – com camarões-palhaço e vários peixinhos refletindo com a luz da lanterna cores que eu nunca tinha visto e que eu nunca mais vi desde então. e usamos uma caixinha de som pra atrair um pássaro tão pequeno quanto territorialista que vive nos brejos de São Paulo.
eu penso, e acho que tenho razão, que ninguém defende o que não ama.
como jornalista, eu uso minha arma de defesa, a comunicação, pra que você preste atenção naquilo que eu acho relevante. pra que? pra que você faça alguma coisa com essa informação. pra que ela desperte em você algum tipo de sentimento que te mova. que à luz do que eu te disse, você possa encarar o seu jeito de estar no mundo e avaliar se tem algo que você possa contribuir de alguma forma.
tá bem que a crise climática não é um problema que ninguém vá resolver sozinho, mas tem coisas no plano individual e coletivo que a gente pode fazer pra tentar reduzir os danos.
e falar não conta.
isso vindo de uma pessoa cujo trabalho é falar pode soar estranho – como se eu fosse uma jornalista tão pequena e territorialista quanto o passarinho do brejo – mas é que eu tenho andado aflita com o quanto a comunicação tem sido evocada como a solução pra tudo.
eu li um relatório do Instituto Reuters esses dias sobre a “inércia na percepção climática” – um marasmo no envolvimento das pessoas com a crise climática, apesar da urgência crescente do problema. o estudo diz que, desde 2022, nosso conhecimento sobre o tema tá empacado. assim como aquilo que a gente faz com o que a gente já sabe.
não é por falta de comunicação.
virou um lugar comum isso. a popularidade do governo tá caindo? tem que mudar a estratégia de comunicação. a extrema direita tá se espalhando? tem que mudar a estratégia de comunicação. a crise climática só piora? tem que mudar a estratégia de comunicação.
como se esses não fossem sintomas de problemas reais, que precisam ser encarados e solucionados. problemas econômicos, sociais e ambientais que não vão sumir porque políticos de esquerda e cientistas finalmente aprenderam como fazer um vídeo pro TikTok ou, olha só, porque agora nós também temos um boné!
me dá uma baita vontade de gritar: alguém faça alguma coisa!
e deixe que os jornalistas contem.
eu ouvi
uma amiga me lembrou esses dias de um ótimo episódio do podcast Love + Radio que conta a história de uma chantagista profissional. é um podcast com um estilo experimental, provavelmente bem diferente do que você tá acostumado a ouvir, mas eu gosto. mesmo quando eu não gosto, eu gosto que alguém tenha tentado fazer uma coisa diferente. se quiser dar uma chance, mais duas recomendações de episódio: um sobre fermentação e outro sobre um americano que decidiu parar de prestar atenção nas notícias.
aqui os dois álbuns de fevereiro: Bon Iver, Bon Iver da banda… Bon Iver haha (Perth, a primeira faixa, é minha preferida) e Fetch the Bolt Cutters, da Fiona Apple (que na minha cabeça é minha melhor amiga).
eu li
esse bom texto do NYTimes pra quem quer fazer alguma coisa com a própria dieta e comer bem sem maltratar o planeta. se tiver com preguiça de ler tudo, no final tem um resumo dos principais pontos.
comprei a revista Quatro Cinco Um só pra ler a entrevista do Emmanuel Carrère, aquele escritos francês que eu já recomendei aqui. ele conta que acabou de terminar um livro sobre a própria família, mas não gostou do resultado. a solução, por enquanto, vai ser deixar o livro descansando por um ano enquanto faz outras coisas: “É como uma terra em pousio, que se deixa um tempo sem cultivo para que depois possa germinar novamente.”
chega a editoria de textos assustadores mais um item: “O Enem não vai te deixar rico", publicado no site da revista piauí. o Danilo Marques conta como, não sem motivo, a criançada tá achando que é uma boa ideia largar a escola pra ser influencer, mas não só. os pequenos querem ser investidores. trader. imagina ter um filho e ele querer ser trader (!!!), minha gente. que tragédia.
virou um hábito diário ler a newsletter Brasis, da Associação Brasileira de Jornalismo Digital (Ajor), que faz uma curadoria diária do jornalismo independente.
eu vi
muitos e muitos vídeos sobre pão de fermentação natural. quando meus experimentos derem certo, compartilho com você. por enquanto, nada a reportar.
o filme Os Suspeitos, pra quem gosta de suspense que te deixa sentado na pontinha do sofá como se fosse final de copa do mundo.
o documentário Fire of Love, sobre a vida e morte dos vulcanólogos Katia e Maurice Krafft. uma bela homenagem à ciência, ao cinema e ao que move tudo: o amor.
obrigada por ler! 💌
Natália Silva | jornalista e editora executiva da Rádio Novelo
Viver no automático quanto a certos temas é sempre algo a se questionar mesmo . Achei interessante pontuar que o amor pode ser um estímulo importante e adiciono que o desejo também. O que desejamos e/ou amamos costuma nos mobilizar de formas que muitas vezes desconhecemos.
adorei as aspas “mesmo quando eu não gosto, eu gosto que alguém tenha tentado fazer uma coisa diferente.”. inspirado nisso, vou ser cara de pau de deixar um podcast ficcional que escrevi e produzi ano passado, chama “manual para crises e práticas reclusas” https://open.spotify.com/show/7omvBA26PpCQwXkgXR9zf1?si=3KY-7JgHRhyGncSiqsKvDQ uma coisa meio experimental, de algum jeito com a pegada ~alguém faça alguma coisa~, que dá pra gostar pelo menos por ser diferente. vou achar massa se alguém chegar nele pq passou aqui pela newsletter e viu isso. adoro a radinho!